ATA DA
SEGUNDA SESSÃO ESPECIAL DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA
LEGISLATURA, EM 23.10.1987.
Aos vinte e
três dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e oitenta e sete
reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara de Porto
Alegre, em sua Segunda Sessão Especial da Quinta Sessão Legislativa Ordinária
da Nona Legislatura. Às onze horas e trinta e quatro minutos, constatada a
existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos da
presente Sessão, destinada a marcar os vinte anos de morte de Che Guevara. A
seguir, o Sr. Presidente convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao
Plenário as autoridades e personalidades convidadas. Compuseram a Mesa: Ver.
Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dep. Fed. do
PT, Olívio Dutra; Dep. Estadual do PT, José Fortunatti; Srª. Helen Osório,
Presidente da Associação Cultural José Marti; Srª. Liane Saenger Schutz, da
Associação Cultural José Marti; Sr. José Carlos Pinheiro Machado, Vice-Presidente
em exercício do PSB; Sr. Avelino Capitani, Vice-Presidente da Executiva do PCB;
Verª. Gladis Mantelli, 1ª Secretária da Câmara Municipal de Porto Alegre. A
seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome
da Casa. O Ver. Antonio Hohlfeldt, em nome das Bancadas do PT e do PSB, disse
que esta Sessão oportuniza não apenas nos lembrar de Che Guevara, mas
repensarmos as condições de nossa Pátria, sujeita à escravidão do imperialismo
norte-americano. Falou sobre Ernesto Che Guevara e a finalidade que pautou sua
vida e sua morte, ou seja, a busca de liberdade para os latino-americanos,
comentando campanhas e viagens por ele feitas através de nosso Continente. Leu
cartas que Che Guevara escreveu para sua mulher, pais e filhos e citou vários
poetas que, em seus textos, referiram-se a figura de Ernesto Che Guevara. O
Ver. Caio Lustosa, em nome da Bancada do PMDB, declarou que Che Guevara foi um
líder com verdadeira autoridade, não aquela de governos e urnas manipuladas
mas, isso sim, aquela recebida pela consagração do povo, que o transformou num
mito da busca de novos caminhos, da superação da miséria e da vergonha do povo
latino-americano. Ressaltou o internacionalismo vivenciado nas atitudes de Che
Guevara, que o levaram a viajar por outros países na busca da difusão da luta
pela liberdade e justiça para os povos oprimidos pelo poder estrangeiro. O Ver.
Lauro Hagemann, em nome da Bancada do PCB comentou a campanha de Che Guevara em
prol da liberdade e da democracia, falando sobre sua participação em lutas em
Cuba, Congo Belga e, em especial, na Bolívia. Disse que a morte trágica de Che
Guevara não diminuiu o sentimento de busca da liberdade que permanece entre o
povo latino. Salientou que o maior tributo que se pode prestar a Che Guevara
será a conquista da pátria latino-americana verdadeiramente socialista. O Ver.
Kenny Braga, em nome da Bancada do PDT, analisou o significado de Che Guevara
para o povo latino-americano, como símbolo de um ser humano voltado para a luta
contra o subdesenvolvimento, a opressão e o imperialismo norte-americano. Falou
de sua satisfação por participar da presente Sessão Especial, relembrando o
choque sofrido, há vinte anos atrás, ao receber a notícia da morte do grande
líder Ernesto Che Guevara. A Verª. Jussara Cony, em nome da Bancada do PC do B,
disse ser justa e oportuna a homenagem hoje prestada a esse defensor do povo
latino-americano. Comentou a batalha em que foi derrotado Che Guevara e, feito
prisioneiro, executado a mando do imperialismo norte-americano. Teceu relato
sobre a participação de Che Guevara nas revoluções e na luta de guerrilha da
América Latina. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra à Profª. Helen
Osório, Presidente da Associação Cultural José Marti, que discorreu sobre a vida
e a obra de Che Guevara e sua importância dentro do contexto latino-americano.
Em continuidade, o Sr. Presidente agradeceu a presença de todos, convidou as
autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada
mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às doze horas e trinta e oito
minutos, convocando os Senhores Vereadores para a continuação da Centésima
Vigésima Oitava Sessão Ordinária, a seguir. Os trabalhos foram presididos pelo
Ver. Brochado da Rocha e secretariados pela Verª. Gladis Mantelli. Do que eu,
Gladis Mantelli, 1ª Secretária, determinei fosse lavrada a presente Ata que,
após lida e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por mim.
O SR. PRESIDENTE: Estão abertos os trabalhos
desta Sessão Especial destinada a homenagear os 20 anos de morte de Che
Guevara. Com a palavra, o Ver. Antonio Hohlfeldt, pelas bancadas do PT, PSB e
como autor da Sessão.
O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores e Srs. Convidados. Tenho a honra de falar em meu nome pessoal e do
meu Partido, o Partido dos Trabalhadores, bem como em nome da Executiva do
Partido Socialista Brasileiro, com sua Liderança nesta Casa, o Ver. Werner
Becker, não por omissão de S. Exa., mas, sim, pela identificação da causa
socialista que nos une e aos nossos Partidos, motivo pelo qual não quisemos ser
repetitivos e, nesse sentido, pediu-nos o Ver. Werner para que o
representássemos nesta ocasião.
A realização desta Sessão Especial, a pedido da Associação Cultural
José Martí, é a oportunidade não apenas de lembrarmos a extraordinária figura
de Ernesto Guevara de la Serna, o argentino nascido em Rosário, Argentina, num
14 de junho de 1928, e assassinado com requintes de crueldade na localidade de
Higueras, aos 39 anos de idade, num 8 de outubro de 1967, quando repensarmos a
condição de nossa pátria brasileira e latino-americana em seu desenvolvimento
“dependizante” do capitalismo internacional.
Aliás, foi desta compreensão o entendimento cruel do contexto
latino-americano, nascido de uma série de experiências vitais, como o
nascimento na região de Missiones, na Argentina, as viagens que realizou pelo
continente sul-americano, especialmente com seu amigo Alberto Granados, a
integração à experiência revolucionária da Guatemala, no pequeno governo do General
Jacobo Arbenz, interrompido por um golpe de estado arquitetado - como tantos
outros - pela CIA, em setembro de 1954, que Ernesto - Che - o nosso Guevara
chegaria até a revolução cubana e, enfim, com o sacrifício da própria vida, à
tentativa da guerrilha boliviana.
Não sou nenhum teórico político, nem especialista nas questões
políticas latino-americanas, muito menos conheço profundamente a vida de Che
Guevara para aqui desenvolvê-la. Por isso mesmo, e até porque, sobre quem foi
capaz de dar sua vida por uma crença e uma fé, poucas devem ser as palavras
tecidas. Por que certamente Che não gostaria de muitas loas e preferiria a
prática política revolucionária que sempre o marcou. Nossa homenagem, ao invés
do discurso derramado, prefere relembrar o que ele próprio disse e escreveu e o
que dele disseram algumas das mais eminentes figuras de nosso tempo.
“Sempre à frente, Comandante, / mostrando o peito às balas. / Pátria ou
Morte e sempre em frente / seja por bem ou por mal. // E a glória, comandante e
a fama desprezada. / Teu nome é um estandarte / comandante Che Guevara”.
Assim cantaram e cantam “Los Guerrilheiros” uma canção que corre mundo,
a imagem do Che. E sobre o Che assim escreveu seu pai, caso raro em que um pai
acabou aprendendo com um filho, no livro “Meu Filho Che”, que, em janeiro
último, quando esteve em Havana, tive a imensa alegria em ver transformado num
emocionado e emocionante programa de mais de três horas na TV Rebelde, com a
participação do velho Ernesto Guevara Lynch, que, poucos meses depois, também
morreria de velhice e, talvez, de sofrimento pela morte do filho. Do Che, diz
seu pai, numa admirável síntese:
“Abordar o tema da vida de Che Guevara é uma tarefa árdua, porque muito
rica também no âmbito familiar. Ele foi sempre um estudioso, que se aprofundou
em temas econômicos, políticos e sociais. Foi pesquisador científico. Estudou
Arqueologia; trabalhou como enfermeiro nos navios argentinos. Graduou-se em
Medicina e se especializou em medicina de guerra. Sobressaiu-se em várias
disciplinas. Revolucionário internacional, combateu como guerrilheiro em várias
partes do mundo. Colaborou na organização do governo de Cuba, onde foi
presidente do Banco Nacional e Ministro da Indústria. Escritor e ensaísta,
manteve um sem-número de polêmicas econômicas.
Além disso, trabalhou como operário na indústria, na construção nas
minas e no campo. Viajou pela América a pé, de motocicleta, de automóvel, de
caminhão, de trem e de avião. Teve tempo, no entanto, de praticar todo tipo de
esporte e de chegar à primeira categoria como jogador de xadrez.
Estudou a fundo as causas do subdesenvolvimento na nossa América, pois
a conhecia de perto. E sua influência sobre os companheiros de trabalho nos
fazem afirmar que foi um verdadeiro educador.
Enfim, em seus trinta e nove anos de vida, foi tão fecundo em seu
trabalho que, para poder publicar-lhe a biografia completa, seriam necessários
muitos anos de preparação e de trabalho.”
Muitas vezes, quando preciso escrever ou discursar sobre um grande nome
de nossa história passada ou presente, já mitificado e elevado à glória dos
heróis, pergunto-me se não seria melhor relembrarmos pura e simplesmente o
homem, o sujeito, o indivíduo, a personalidade que se revela nas cartas, nas
imprecações, nas pequenas frases…
Creio que isso cabe em torno do homem que, mesmo nos mais aceso da
luta, sempre se preocupou em manter a humanidade e a relação pessoal com seus
companheiros e até mesmo com seus adversários e inimigos.
Admirável jogador de xadrez, de futebol e de rúgbi, a experiência da
selva adquiriu-a Che nas florestas de Missiones, e a revolução deve ter-se
delineado em sua mente como uma necessidade fundamental e irretorquível em suas
viagens pela Argentina e pelos vizinhos países da Argentina, como o Uruguai,
Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia e, até mesmo, o Brasil. É, por
exemplo, da viagem desenvolvida entre 29 de dezembro de 1951 a 26 de julho de
1952, pelo nosso continente, o diálogo rememorado por Alberto Granado a
respeito da possibilidade de uma revolução:
“No dia 4 levantamos à alba e começamos a subida ao Huyama Picchu ou
Pico Jovem, em oposição ao Machu Picchu ou Pico Velho.
Saí de meu sonho e disse a Ernesto:
- Sabe o que vou fazer? Vou casar com María Magdalena e, como ela é
descendente de Manco Capac II, me transformarei em Manco Capac III; depois,
criarei um partido indigenista, levo toda essa gente ao litoral para votarem e
assim começa o renascer da revolução de Tupac Amaru, o que significa a
revolução índio-americana.
Ernesto olhava-me e escutava-me com uma serenidade inadequada à
jocosidade de minhas palavras, e mais uma vez me surpreendeu com uma de suas
frases contundentes:
- Revolução sem tiros? Você está louco, Petiso...”
Exilado no México, depois da aventura da Guatemala, Che conhece Raul
Castro, seu padrinho de casamento com a peruana Hilda Tadea Acosta, suja
influência política será definitiva sobre ele. Logo depois, conversa com Fidel,
que preparava o desembarque do Granma, e uma noite de diálogo, recordado
posteriormente na famosa carta de despedida a Fidel e ao Povo cubano, na casa
de Maria Antonia, centro dos refugiados da ditadura de Batista, fará com que
Che se torne o médico dos revolucionários e posteriormente, na prática, um
excelente comandante e tático. Vencida a revolução, fixado o movimento, seis
anos depois, Che parte para nova aventura, agora na Bolívia, assim interpretado
por João Batista Berardo, em seu famoso livro “Guerrilhas e guerrilheiros”:
“Che Guevara tinha que seguir sua vocação. Deveria cumprir os planos
aos quais se impusera. E quanto à guerrilha boliviana de 1967, sabe-se hoje que
Che a considerava precisamente como a primeira etapa de uma revolução
continental, com outras ramificações. (…) Ele não ignorava de modo algum que a
própria revolução latino-americana não era senão uma parte de um movimento mais
amplo, do imenso movimento dessa humanidade que disse basta, e se pôs em
marcha. O interesse de Che Guevara pela dimensão mundial da guerra contra o
imperialismo desenvolveu-se nas inúmeras viagens que empreendeu pelos países do
Terceiro Mundo. Che tinha decidido que iria pelejar de novo, em gesto de
renúncia e sacrifício que não tinha igual na História. Havia chegado para ele o
momento necessário e se julgava na disposição de entregar sua vida pela
libertação de qualquer país da América Latina. Esse país resultou se a Bolív
(sic) um dos mais dolorosos e explorados da região.” (P. 107-8)
Como que antevendo seu fim, Che deixaria três cartas que logo se
tornaram famosos em todo o mundo: aquela a Fidel Castro, divulgada pelo
comandante chefe da revolução cubana em praça pública, uma aos pais e a seus
filhos. Diz ele, nessas duas, começando pela dirigida aos filhos, que sempre
lembrou:
“Meus
queridos Hildita, Aleidita, Camilo, Célia e Ernesto:
Se algum dia vocês lerem esta carta, vai ser porque eu já não estarei
mais com vocês.
Quase não lembrarão de mim, e os mais pequenos não lembrarão nada.
Seu pai foi um bom homem que age como pensa e, certamente, foi leal às
suas convicções.
Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito, para poder dominar a
técnica que permite dominar a natureza. Lembrem que a Revolução é o mais
importante, e que cada um de nós, sozinho, não vale nada.
Sobretudo, sejam capazes sempre de sentir profundamente qualquer
injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. É a
qualidade mais bela de um revolucionário.
Até sempre, filhinhos, espero vê-los ainda. Um beijo grande e um abraço
do Papai.”
Aos pais:
“Queridos
velhos:
Mais uma vez sinto sob os calcanhares as costelas de Rocinante, volto
aos caminhos empunhando minha lança.
Faz mais ou menos dez anos, eu lhes escrevia outra carta de despedida.
Segundo me parece lembrar, eu lamentava não ser melhor soldado e melhor médico;
a segunda coisa já não me interessa, e creio que não sou um soldado tão ruim.
Nada mudou na essência, a não ser que agora estou muito mais
consciente, meu marxismo está enraizado e apurado. Acredito na luta armada como
a única solução para os povos que lutam pela libertação e sou conseqüente com
as minhas convicções. Muitos dirão que sou um aventureiro, e sou de fato, só
que um tanto diferente, sou daqueles que arriscam a vida para demonstrar suas
verdades.
Pode ser que desta vez seja a definitiva. Não procuro isso, mas está
dentro do cálculo lógico de probabilidades. Se for assim, vai o meu último
abraço.
Amei-vos muito; apenas não soube expressar meu carinho, sou muito
rígido nas minhas atitudes e penso que às vezes não fui bem entendido. Não era
fácil entender-me. No entanto, peço-vos que acreditem no que digo hoje.
Agora, uma força de vontade, que trabalhei com deleite de artista,
sustentará umas pernas fracas e um par de pulmões cansados. Hei de conseguir.
Lembrem, uma vez ou outra, deste pequeno condottiere do século XX. Um beijo para Célia, Roberto, Juan Martín
e Patotin, Beatriz, todos. Um grande abraço do filho pródigo e teimoso para
vocês.”
E, se alguém, algum dia, duvidou de seu compromisso, basta lembrar
outra missiva sua, aquela dirigida a uma longínqua e quase ignota Maria Rosario
Guevara, moradora da Cidade de Casablanca, no Marrocos, que, um dia, lhe
escreve, indagando-lhe sobre sua genealogia e possível parentesco, e a quem
respondeu:
“Havana, 20 de fevereiro de 1964
‘Ano da Economia’
Sra. Maria Rosario Guevara
36, rue d’Annam
(Maarif) Casablanca,
Marrocos
Companheira:
Realmente eu não sei com certeza de que região da Espanha é a minha
família. Naturalmente faz muitos que meus antepassados saíram de lá, com uma
mão na frente e outra atrás. E se eu não as conservo assim é pelo incômodo da
posição.
Não acredito que sejamos parentes muito próximos, mas se você é capaz
de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então
somos camaradas, o que é mais importante.
Saudações revolucionárias.
Pátria ou Morte. Venceremos!”
O diário do Che, na Bolívia, começa num 7 de novembro de 1966 e termina
num 7 de outubro de 1967. No dia seguinte, 8, ele seria aprisionado:
Diário, págs. 17-8:
“Foi possível precisar que Che combateu ferido até que o cano de seu
fuzil M-2 foi destruído por um disparo, ficando totalmente inutilizado. A
pistola que portava estava sem ‘magazine’. Estas incríveis circunstâncias
explicam que tenham podido capturá-lo vivo. As feridas nas pernas o impediam de
caminhar sem ajuda, mas não eram mortais.
Transportado para o povoado de Higueras, permaneceu com vida cerca de
24 horas. Negou-se a trocar uma só palavra com seus captores, e um oficial
embriagado que tentou ofendê-lo recebeu uma bofetada em pleno rosto.
Reunidos em La Paz, Barrientos, Ovando e outros altos chefes militares,
tomaram friamente a decisão de assassiná-lo. São conhecidos os detalhes da
forma como procederam para cumprir o pérfido acordo na escola do povoado de
Higueras. O major Miguel Ayoroa e o coronel Andrés Selnich, ‘rangers’ treinados
pelos ianques, instruíram o sub-oficial Mario Terán para o assassinato. Quando
este, completamente embriagado, penetrou no recinto, Che - que havia escutado
os disparos com que acabavam de liquidar um guerrilheiro boliviano e outro
peruano - vendo que o verdugo vacilava disse-lhe com firmeza: ‘Dispare! Não
tenha medo!’ Este se retirou e de novo foi necessário que os superiores Ayoroa
e Selnich repetissem a ordem, para que cumprisse, disparando-lhe da cintura
para baixo uma rajada de metralhadora. Já tinha sido dada a versão de que Che
tinha sido morto várias horas depois do combate e por isso os executores tinham
instruções para não disparar sobre o peito e a cabeça, para não produzir
feridas fulminantes. Isso prolongou cruelmente a agonia de Che até que um
sargento - também embriagado -, o matou com um disparo de pistola no lado
esquerdo das costas. Tal procedimento contrasta brutalmente com o respeito que
tinha Che pela vida dos numerosos oficiais e soldados do exército boliviano que
foram seus prisioneiros.
As horas finais de sua existência em poder de seus desprezíveis
inimigos devem ter sido muito amargas para ele; mas nenhum homem melhor
preparado que Che para enfrentar semelhante prova.”
Seu diário, soube-se mais tarde, chegou às mãos de Fidel Castro
enviado, secretamente, pelo Ministro do Interior da Bolívia, Antonio Arguedas,
que depois se exilaria no Chile e finalmente voltaria à Bolívia, onde
terminaria sendo assassinado, depois de recusar o asilo em Cuba e nos Estados
Unidos. Um serviço público extraordinário desse contraditório homem, a quem
devemos um relato histórico. E a rebeldia alastrou-se por todo o mundo.
Mário Benedetti
“Assim estamos
consternados
furiosos
embora esta morte seja
mais um desses absurdos previsíveis
envergonha olhar
os quadros
as poltronas
os tapetes
tirar uma garrafa da geladeira
batucar as três letras mundiais de teu nome
nesta rígida máquina
que nunca
nunca esteve
com a fita tão pálida”
Nicolás Guillén
“Não por teres caído
tua luz é menos alta.
Um cavalo de fogo
sustenta tua escultura guerrilheira
entre o vento e as nuvens da serra.
Não por teres calado tu és silêncio.
E não por que te queimem
ou por que te disfarcem sob a terra
por que te escondam
em cemitérios, selvas, lamaçais,
vão impedir que te encontremos,
che Comandante,
amigo.
Com seus dentes de júbilo
a América do Norte ri! Mas de repente
vira-se no seu leito
de dólares. Congela-se
seu riso numa máscara,
e teu grande corpo de metal
sobe, se multiplica”
Pablo Neruda
“Nós que vivemos esta história
esta morte e ressurreição
de nossa esperança enlutada,
os que escolhemos o combate
e vimos crescer as bandeiras
soubemos que os mais calados
foram os nossos únicos heróis
e que depois das vitórias
chegaram os vociferantes
a boca cheia de jactância
e de proezas salivares.
O povo moveu a cabeça:
e voltou o herói ao seu silêncio.
Mas o silêncio se cobriu de luto
até afogar-nos nesse luto
quando morria nas montanhas
o fogo ilustre de Guevara.”
Júlio Cortázar
“Eu tive um irmão.
Não nos vimos nunca
mas não importava.
Eu tive um irmão
que andava na selva
enquanto eu dormia.
O amei ao meu modo,
lhe tomei a voz
livre como a água,
caminhei às vezes
perto da sua sombra.
Não nos vimos nunca
mas não importava,
meu irmão desperto
enquanto eu dormia.
Meu irmão mostrando-me
por detrás da noite
a sua estrela eleita.”
Dom Pedro Casaldáliga
“E, por fim, me chamou também tua morte
desde a seca luz de Vallegrande.
Eu, Che, prossigo crendo
na violência do Amor: tu próprio
dizias que ‘é preciso endurecer-se
sem perder nunca a ternura’.
Mas tu me chamaste. Também tu.
(Os temas compartilhados, dolorosos.
Os múltiplos olhares moribundos.
A inerte compaixão exasperante.
As sábias soluções à distância...
américa. Os pobres. Esse Terceiro Mundo,
quando não há mais que um mundo,
de Deus e dos homens!)”
Estes e tantos outros, todos, nós, cada um a
sua maneira, choramos a figura do Che. Mas depois, passados os primeiros nós na
garganta, entendemos, como Tristão de Ataýde, que era agora, morto, que Che
renascia:
“Falam no ‘fim do mito GUEVARA’... É agora
que ele vai começar! Não que o guerrilheiro argentino já não fosse uma figura
legendária da nossa era revolucionária. Mas, agora com sua morte heróica, como
a de CAMILO TORRES, sua legenda se converterá em mito, não apenas folclórico,
mas de ação direta. A declaração de Debray é a principal e primeira prova
disso. Este ainda não pagou com a vida sua declaração à causa da revolução pela
violência. Mas vai pagá-la por um preço ainda mais alto: o da liberdade.
“O exemplo que eles nos deixam será para
muitos, a confirmação da sua fé na violência, como método de progresso social.
Longe de diminuir o surto das guerrilhas na América Latina, a morte de CAMILO
TORRES e de GUEVARA, assim como o cárcere de Debray, serão mais um estímulo
para muitos dos seus continuadores.
“O exemplo deles é aquele que os mártires do
Cristianismo nos deixaram, os justos e heróis de todos os tempos e de todas as
civilizações pregaram e os romanos exprimiam em sentenças lapidares! Há valores
pelos quais vale a pena sacrificar a vida. E esses valores é que estão no âmago
da revolução profunda e irreversível, por que está passando o mundo moderno”.
(23)
(GUERRILHAS E GUERRILHEIROS,
p. 117.)
Por isso, vinte anos depois dos
acontecimentos vividos, sem que a revolução tenha acontecido, mas com a certeza
de que, algum dia, ela acontecerá, não como uma dádiva dos exploradores e das
elites, mas como uma conquista dos exploradores e das nações, só podemos dizer:
Comandante Ernesto Che Guevara, Presente. Patria o Muerte, viveremos. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, o Ver. Caio Lustosa, pela Bancada do PMDB.
O SR. CAIO
LUSTOSA:
Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados. “A charla registrada por
Castañeda nos ensinamentos do índio Don Juan, que diz que ‘qualquer caminho é
apenas um caminho e não constitui insulto algum, para si mesmo ou para os
outros, abandoná-lo quando assim ordena seu coração’. E insistia o velho e
sábio feiticeiro: ‘olha cada caminho com cuidado e atenção, tenta-o tantas
vezes quantas puderes, quantas forem necessárias, e então faça a si mesmo uma
pergunta: possui este caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom,
caso contrário este caminho não serve para coisa alguma”.
Essas palavras bem se adeqúam à figura que
homenageamos hoje, de Ernesto Che Guevara. Che, médico, vagabundo pelas
cordilheiras da América, sempre colocando o interesse profissional e pessoal de
lado, quando entendia que devia doar-se aos povos explorados e sofridos da
América Latina, Ernesto Che Guevara, entre as inúmeras lições que nos deu,
resume em três aspectos a sua vivência revolucionária: a de ter sido realmente
um líder com autoridade, não a autoridade dos governos que saem de golpes ou de
urnas manipuladas e tão comum nessas Américas, mas autoridade conquistada pela
confiança que lhe veio das bases e que o consagrou. Consagrou e consagra hoje
mais que um estadista, um revolucionário, como mito da busca de novos caminhos,
de superação da desigualdade, da miséria e da fome seculares neste continente.
Ao contrário das elites conservadoras e das populistas reformistas, que se
alojam nos governos latino-americanos em sua quase totalidade, ele tinha a
impregnação do sentimento e da busca da justiça por que clamam os nossos povos.
Participou do encontro em Punta del Este da Aliança para o Progresso, que foi
mais uma tentativa dos governos e do sistema de dominação para tentar ajeitar
os privilégios por sobre os nossos povos. Mas não hesitou nunca em, a par da
diplomacia, continuar na sua pregação e na sua prática revolucionária.
Outro aspecto que seria de salientar é
justamente esse internacionalismo vivenciado que fazia com que se deslocasse
até para outros continentes, para emprestar o seu exemplo, a sua liderança, a
sua experiência.
E, sobretudo isso, Sr. Presidente, Srs.
Vereadores, minhas Senhoras e meus Senhores, aquela paixão revolucionária que é
o traço de sua personalidade e demonstrar que a frieza de textos doutrinários
de uma doutrina tão profunda e tão rica como o marxismo-leninismo, há de ser
impregnada pelos sentimentos e pela paixão.
Já dizia, um outro líder revolucionário
destas Américas, Mariategui, do Peru, no início do século, o que diferencia
nítida e claramente a burguesia e o proletariado é o mito. A burguesia já não
tem mito algum, tornou-se incrédula, cética e niilista. O proletariado tem um
mito: a revolução social. Em direção a este mito move-se uma fé veemente e
ativa. A burguesia nega e o proletariado afirma. Por tudo isto, meus
companheiros, a reverência que hoje se faz a Che Guevara não é apenas uma homenagem
formal, protocolar e rotineira, é de afirmação de que os princípios por que ele
lutou e que, hoje mais do que nunca, encontram justificativa para que os povos
latino-americanos empreendam a sua luta, aí estão mais agravados do que nunca.
Sabendo-se que dos 10 milhões de dólares que a América recebeu dos países ditos
desenvolvidos em 1982, dos 10 milhões de dólares, transferiu, três anos após,
81 milhões de dólares. Em 1959, era necessário uma tonelada de cobre para
adquirir 39 tubos de Raio X para uso médico e que, em 1982, o mesmo volume de
exportação destas matérias-primas do cobre permitem apenas a aquisição de três
tubos de Raio X. São fatos concretos e palpáveis a mostrar que o processo de
espoliação e dominação trazido na imensa e impagável dívida externa, este
processo adquiriu contornos insuportáveis e que justificam a rebeldia
permanente, o questionamento e o trabalho junto aos povos da América Latina
para que, pela via reformista, se for possível, o que já nos apresenta quase
como que ilusório. Mas, pela via de qualquer forma de transformação, e até da
revolução social com que sonhou e com que lutou Che Guevara, que a América
Latina e os países subdesenvolvidos e espoliados do Terceiro Mundo possam
proclamar a sua verdadeira libertação.
Nossa homenagem, então, em nome da Bancada do
PMDB nesta Casa, a Ernesto Che Guevara, certos de que ele vive nos corações da
América, assim como diz uma quadrinha tão recitada na sua pátria de adoção, em
Cuba: “Nadie que esté en el recuerdo, nadie muere si alli está; nadie que viva
en pueblo, se muere ni morirá.” Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, o Ver. Lauro Hagemann, pela Bancada do PCB.
O SR. LAURO
HAGEMANN:
Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados:
Na homenagem que esta Casa presta a Ernesto
Guevara de la Serna, pela passagem do vigésimo ano de sua morte, o Partido
Comunista Brasileiro sente-se honrado em ocupar esta tribuna para dizer um
pouco da elevada dignidade e do espírito revolucionário do nosso querido Che
Guevara.
Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, um dos
heróis das lutas do povo latino-americano e um dos mártires da sua
independência. Quando um golpe militar, organizado pelos Estados Unidos,
derrubava o Presidente Jacobo Arbenz, na Guatemala, lá estava Che, lutando pela
liberdade e pela democracia. Refugiado no México, conheceu aí Fidel Castro e,
em pouco tempo, estava a bordo do iate Granma, rumando a Cuba, para mais uma
vez lutar por liberdade e democracia. Vitoriosa a Revolução Cubana, Che ocupou os
mais altos postos no recém instalado Governo Revolucionário. Foi Presidente do
Banco Nacional e, posteriormente, assumiu o Ministério das Indústrias, quando
coordenou e incrementou a indústria recém nacionalizada, num quadro
absolutamente adverso. Era o segundo homem mais poderoso de Cuba, mas abandonou
o poder e a segurança de uma revolução vitoriosa. Em 1965, segue para o Congo
Belga, porque lá, no distante Continente Africano, também havia um povo lutando
por liberdade e democracia. Mas era na América Latina que deveria se
estabelecer uma fronteira socialista para Cuba. Assim, em setembro de 1966, Che
Guevara entrava em território boliviano, para travar a sua derradeira batalha
pela liberdade e pela democracia. No dia 8 de outubro de 1967, Che cai prisioneiro
do exército boliviano e, na manhã do dia 9, é assassinado por ordem da Cia.
norte-americana.
Sr. Presidente, Srs. Vereadores!
O fim trágico de Che Guevara não esmaece o
brilho de um ser humano excepcional e, principalmente, de um revolucionário
disposto à luta, em toda a parte onde houvesse humilhados e ofendidos. Foi este
espírito que sempre colocou Che ao lado do aflito povo latino-americano. A
América Latina vive esmagada por um presente sombrio e temerosa de um futuro
que não lhe oferece qualquer esperança ou perspectiva de progresso. Mas a
emancipação desta sofrida América Latina se dará mais cedo do que muitos
esperam. O povo anseia por liberdade. Há insatisfação diante da injustiça, do
abuso e da violência, que sufoca milhões e milhões de pessoas.
Poucos homens foram tão amados, chorados e
cantados em todo o mundo como Ernesto Che Guevara, numa demonstração de carinho
por poucos conseguida. Mas o maior tributo que este povo, por ele tão amado,
prestará a Che Guevara será a conquista da Pátria Socialista Latino-Americana.
Este foi o maior sonho de Che Guevara, sonho que a classe operária e seus
aliados transformarão em realidade, implantando a liberdade, a democracia e o
socialismo pelos quais Che tanto lutou. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, o Ver. Kenny Braga, pela Bancada do PDT.
O SR. KENNY
BRAGA: Sr.
Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados. A maior dificuldade de se falar
do significado histórico e humano do guerrilheiro e do cidadão do mundo Ernesto
Che Guevara é que todas as palavras, todos os conceitos são insuficientes para
defini-lo. A figura, a ação do herói transcende o valor dos conceitos e das
palavras, remetendo-nos imediatamente para a zona mais afetiva do nosso próprio
coração. É exatamente meu coração, muito mais do que minhas palavras precárias
e insuficientes, que soube e sabe captar toda a grandeza humana, toda a
densidade pessoal, todo carisma e todo o exemplo humano e revolucionário de
Ernesto Che Guevara. Ao contrário do grande filósofo do século XX, Jean Paul
Sartre, que definiu Guevara como ser mais perfeito deste mesmo século, eu
entendo que se trata do ser humano mais nobre e mais solidamente gente que a
América Latina produziu em todos os tempos. Digo propositadamente América
Latina, não digo Argentina, não digo Cuba, não digo México, não digo Guatemala,
lugares por onde este grande “condoutiere” do século XX andou, pregando a sua
fé na transformação da sociedade, única forma de se dar ao homem a dignidade
que ele merece. A extraordinária missão deixada por Che Guevara é de que
somente os homens pequenos e infelizes se preocupam única e exclusivamente com
o quintal de sua casa. O grande homem, o homem sintonizado com as palpitações
mais caras do seu tempo está preocupado com o destino de todos os seus irmãos
em qualquer latitude deste Planeta, exatamente como explicou o filósofo
Garrodi, não existe liberdade isolada. A minha liberdade depende da liberdade
do meu irmão explorado, do meu irmão sofredor, do meu irmão triste e abatido
pelas chagas do subdesenvolvimento seja ele chileno, cubano, brasileiro,
argentino, peruano ou guatemalteco. A vida de Che Guevara foi um belo e talvez
irrepetível gesto de doação total à causa dos humilhados e dos ofendidos da
terra. Médico de profissão, não se conformou com os limites de uma clínica ou
de um hospital; sentiu, dentro de si, o apelo irresistível de transformar o
mundo, de construir uma nova realidade, com a força de suas idéias e a ação
conseqüente de sua marcha empreendedora, revolucionária, cheia de sacrifícios e
heroísmos. E, quando a revolução cubana se consolidou, também ele não quis
permanecer como um burocrata graduado do novo regime, entregue à rotina normal
dos despachos. Quis dar, ainda que com o preço de sua morte, mais uma contribuição
pessoal em favor da causa da liberdade e da revolução. Nesse sentido, Che
Guevara é maior do que Mao Tsé Tung, do que Ho Chi Min, do que Togliatti o do
que Dolares Ybarruri; ele é maior, inclusive, do que o mito que se forjou em
torno de sua figura de guerrilheiro, de herói.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Vereadores,
Srs. Convidados, nada mais justo, mais compreensivo, nada mais gratificante
para todos nós Vereadores desta Casa, Vereadores da Cidade de Porto Alegre
participarmos da homenagem dos 20 anos da morte do herói. E com que dor no
coração e com que ansiedade impotente eu falo na morte do herói. Naquele dia
triste, naquele dia fatídico, naquele dia abominável, plasmado pelo tempo há,
exatamente, 20 anos, eu simplesmente não quis acreditar na notícia da morte de
Che Guevara estampada em manchete por todos os jornais. O abalo foi tão grande,
o choque tão arrasador, que eu fiquei paralisado diante da banca de jornal e
depois eu saí caminhando a esmo pela ruas da Cidade, dilacerado, perdido, porque
havia morrido o ser humano que mais enfeitiçou, que mais imantou com a sua
imagem a sua luta e suas idéias à consciência da minha geração. E imediatamente
eu pensei: quem não presta fica vivo e quem é bom mandam matar, como naqueles
versos célebres do “Romanceiro da Inconfidência”, da grande Cecília Meireles.
Foi exatamente isto que aconteceu na Quebrada do Yuro no interior perdido da
Bolívia. O ódio imperialista mandou assassinar covardemente o herói e
guerrilheiro que lutava pelos seus ideais transformadores, que buscava
construir com o seu talento, a sua garra, uma nova fisionomia para este mundo
pobre e apodrecido da América Latina. Felizmente, porém, os imperialistas não
conseguiram vencer Ernesto Che Guevara apesar de tê-lo assassinado. O exemplo
do guerrilheiro e do herói é mais forte que todos os mísseis, todos os aviões e
todos os navios do imperialismo norte-americano.
Ernesto Che Guevara é um facho de luz
permanentemente aceso no coração do estudante, to trabalhador, do camponês, da
dona-de-casa. Ao homem comum da América Latina que sonha com um novo dia de
justiça e de liberdade para o seu povo.
Ernesto Che Guevara é o maior patrimônio
moral desta humanidade cambaleante que vai definhando a cada dia por culpa do
imperialismo e da exploração do homem pelo homem. Neste sentido, os seus
carrascos, os seus carcereiros não conseguiram atingir o seu objetivo,
demarcado pelo imperialismo norte-americano. Eles mataram o homem, mas não
mataram as suas idéias. Esta é uma grande lição que deve ser considerada neste
momento: matam-se os homens, matam-se os líderes, mas não se matam as suas
idéias. Guevara está mais vivo do que nunca no coração pulsante, no coração
desta América Latina infernizada por ditaduras militares, por saques repetidos
de suas riquezas, por perseguições, assassinatos, tiranias e covardias. E não
há exército que possa destruir esta chama, não há exército capaz de apagar esta
luz de esperança, que se faz maior a cada nascimento de uma criança, a cada
cantar de um passarinho, a cada manifestação de rua, onde os homens e mulheres
lutam pelo seu direito.
Grande e inolvidável comandante Ernesto Che
Guevara. Grande e insubstituível personalidade. Gente. Irmão. Fraterno.
Solidário e amigo. O século está cheio da tua presença, o século se alimenta da
tua presença, só os pequenos, só os maus, os medíocres, os algozes, os
prepotentes e os exploradores não reconhecem a tua figura de guerrilheiro e de
mártir. Mas, enquanto houver sentimento de justiça sobre a face da terra,
sentimento de decência, de dignidade pessoal, enquanto houver aflições,
angústias, misérias, desconsolos, tu, Ernesto Che Guevara estará
maravilhosamente vivo na altura das estrelas, no âmbito das constelações, mas,
sobretudo, no coração de todos os homens. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, a Ver.ª Jussara Cony, pelo PC do B.
A SRA. JUSSARA
CONY: Sr.
Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados:
Justa e oportuna a homenagem que se presta
nesta Casa a esse corajoso lutador do povo que foi Ernesto Che Guevara.
Embrenhado nas selvas da Bolívia, enfrentando a fome, a perseguição de 1.500
bem-treinados soldados bolivianos, assessorados por especialistas militares dos
Estados Unidos, Che e seu grupo, no dia 08-10-1967 foi derrotado, tolhido e
feito prisioneiro. Transportado para o povoado de La Higuera, no dia 9, pela
manhã, recebeu a sentença por ordem direta dos Estados Unidos: “Che tem de ser
executado”. Atingido no pescoço por uma rajada de metralhadora, recebeu o tiro
de misericórdia de um tal Coronel Eunique, que lhe disparou no coração com sua
Magnun 9mm. Filho de uma família progressista da classe média Argentina, Che
sonhava com uma América Latina livre e independente, o que o aproximou do
movimento de libertação do nosso Continente. Integrou-se com os jovens
revolucionários cubanos que lutavam contra a ditadura de Fulgêncio Batista. De
simples combatente, por bravura e perícia, passou a ser um dos mais destacados
combatentes da revolução, assumindo a presidência do Banco Central e o
Ministério da Indústria e Comércio após a vitória revolucionária. Suas
profundas convicções patrióticas o fizeram perceber quando a direção cubana
aceitou uma Cuba agrícola poria em dúvida a sobrevivência do socialismo e
seria, além disso, tão débil, internacionalmente, que teria que viver da
proteção soviética. “E a revolução não foi feita para isto”, confidenciava a um
amigo em 1963. Suas desconfianças aumentaram depois de uma visita a Moscou, em
novembro de 1964. Percebeu que a política de coexistência pacífica de
soviéticos e americanos fazia a parte de uma divisão do mundo em esferas de
influência. Em dezembro do mesmo ano, suas divergências com Fidel Castro
tornaram-se públicas na Assembléia Geral da ONU em Nova Iorque, quando Che
atacou a coexistência pacífica como política de uso exclusivo das grandes
potências sobre a terra.
Em 1965, abdicou de suas funções partidárias,
do posto de ministro, da cidadania cubana e foi para a África, onde participou
de combates ao lado dos movimentos patrióticos. Na Bolívia, para onde seguiu
posteriormente, caiu, fruto da caçada implacável que lhe moveu o imperialismo e
do erro irreparável que acompanhou toda a sua trajetória política, a concepção
equivocada de que pequeno grupo de abnegados lutadores seria suficiente para
abater as ferozes classes dominantes e o imperialismo na América Latina.
Che não assimilou a necessidade de um partido
proletário de vanguarda e o papel das amplas massas do povo no processo de
substituição da ordem capitalista injusta por um novo sistema social, baseado
na igualdade, na justiça, sem explorados nem exploradores, o Socialismo. Sua
teoria se mostrou fraca e frágil para as transformações sociais por que ele
tanto lutou e tanto desejou. Companheiros, ao mesmo tempo em que o criticamos
com rigor inexorável dos princípios marxistas, leninistas, não deixamos, porém,
de exaltar-lhe a bravura e o profundo amor ao povo, à liberdade e à justiça. Os
reacionários e oportunistas, ao contrário, ao criticá-lo, procuram desmoralizar
o impulso revolucionário e o sentido de luta que Che deu à sua vida e que
permanece, cada vez mais vivo, nos sentimentos do povo. E hoje merece, seu
impulso revolucionário, o impulso de vida que Che deu à sua vida, a nossa
homenagem.
Esta Sessão, iniciativa do companheiro de
luta nesta Casa, Antonio Hohlfeldt, do PT, a pedido da Associação Cultural José
Martí, neste momento de crise estrutural no nosso País, é para todos nós muito
importante. Ao lembrar de Che e sua luta, num momento como este, elevamos nossa
compreensão de que há muita luta pela frente para derrubada dessa estrutura
social injusta, para derrubada do capitalismo. Exemplo vivo em todos nós de
luta, Che nos faz refletir e, mais, ter a convicção da necessária unidade das
forças democráticas e progressistas, no atual momento de luta dos povos, no
atual momento da nossa luta, para conquista das verdadeiras liberdades
democráticas. Conquista essa decisiva para as novas etapas que teremos pela
frente, na construção do socialismo, que se dará, sim, através da revolução do
proletariado. Muito obrigada. (Palmas.)
(Não revisto pela oradora.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, a Professora Helen Osório.
A PROFESSORA
HELEN OSÓRIO:
Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados. Hoje nos reunimos para
recordar Ernesto Che Guevara. Poucas vezes, como neste caso, a morte de um
personagem agiganta tanto a sua figura. Che se transformou desde seu
assassinato na figura emblemática da luta de liberação de todos os povos
latino-americanos, exemplo vivo da decisão inquebrantável de lutar até as
últimas conseqüências pela causa dos povos.
Guevara nasceu em 14 de julho de 1928 na
cidade argentina de Rosário e formou-se em medicina aos 25 anos. Em 1955,
conheceu Fidel Castro num encontro que marcaria toda a sua vida.
Pouco mais de um ano depois, o Che, com seus
instrumentos médicos e um fuzil, embarcava no Granma junto com o grupo de
expedicionários cubanos que davam início à luta insurrecional que terminaria em
1959 com a ditadura de Fulgêncio Batista, abrindo passagem à revolução
socialista no continente.
Já no poder o governo revolucionário, Guevara
foi encarregado por Fidel de importantíssimas responsabilidades. Foi presidente
do Banco Nacional, do Instituto Nacional de Reforma Agrária, Ministro da
Indústria e integrou o Conselho Nacional de Planificação.
Em 1965, Fidel Castro lê, no Comitê Central
do Partido Comunista de Cuba, a carta do Che anunciando sua decisão de ir lutar
na Bolívia. Desde fins de 1966 até sua morte, em 8 de outubro do ano seguinte,
Che tenta a heróica empresa de construir um movimento guerrilheiro e repetir a
gesta cubana. Cercado e perseguido, cai ferido e é assassinado.
Muitos são os aspectos de sua vida e obra que
mereceriam menção e lembrança. A Associação Cultural José Martí, no entanto,
quer recordar um aspecto em especial: seu sentimento de latino-americanidade e
sua luta pela unidade dos povos do continente.
Em 1964, num discurso na ONU, dizia o Che:
“Nasci na Argentina, isso não é segredo para ninguém. Sou cubano e argentino e,
se não se ofenderem as ilustríssimas senhorias da América Latina, sinto-me tão
patriota da América Latina, de qualquer país da América Latina, como o maior
deles, e no momento em que for necessário, estarei disposto a entregar minha
vida pela libertação de qualquer um dos países da América Latina, sem pedir
nada a ninguém”.
Che soube abandonar o universo cultural
europeu que impregnava seu meio intelectual em tudo aquilo que não servia à
libertação do latino-americano índio, mestiço, negro ou branco. Conheceu
profundamente a realidade e a história de nosso continente, recolhendo o melhor
de nossa tradição libertadora, de Bolívar e Martí.
Não é a toa que uma das frases de José Martí
que ele mais apreciava era: “A melhor maneira de dizer, é fazer.”
E o Che fez. Sua participação na derrubada da
ditadura de Batista e na construção do primeiro país socialista da América foi
imensa. Tão importante que se tornou um dos maiores símbolos de todas as lutas
de libertação não só de nossa América explorada, mas de todo o Terceiro Mundo.
É por isso que deve ser lembrado e
homenageado. Não de forma mitológica e consumista, mas como um herói do povo
que ele foi e continuará sendo.
Encerrando, as palavras de Che à juventude
cubana em 1960, referindo-se a José Martí são plenamente aplicáveis à sua própria
pessoa:
“Pensem nele como um ser vivo, não como um
Deus nem como em alguma coisa morta; como algo que está presente em cada
manifestação da vida cubana, assim como estão presentes em cada manifestação de
vida cubana a voz, o aspecto, os gestos de nosso grande e nunca suficientemente
pranteado companheiro Camilo Cienfuegos. Porque os heróis companheiros, os
heróis do povo nunca podem ser separados do povo, não podem ser convertidos em
estátuas, em algo que esteja fora da vida desse povo, pela qual deram a sua. O
herói popular deve ser uma coisa viva e presente, em cada momento da história
de um povo.”
(Não revisto pela oradora.)
O SR.
PRESIDENTE:
Encerrando os trabalhos da presente Sessão, a Mesa agradece a comparência dos
Senhores componentes da Mesa assim como as pessoas presentes referidas e não
referidas pela Mesa ou pelos oradores que, na Sessão, fizeram uso da palavra.
Nada mais havendo a tratar, estão encerrados
os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 12h38min.)
* * * * *